A ministra Carmén Lúcia, do Supremo Tribunal Federal
(STF), destacou no sábado (29), em evento literário no Rio de Janeiro, que a
sociedade precisa lutar diariamente para defender a democracia contra
iniciativas autoritárias. Ela comparou as ditaduras às ervas daninhas, que
precisam ser cortadas e vigiadas para que não voltem a ameaçar o país.
A fala acontece dias depois de o STF determinar o
início do cumprimento das penas impostas aos condenados do chamado Núcleo 1 da
tentativa de golpe de estado. O grupo é formado pelo ex-presidente Jair
Bolsonaro, militares e ex-integrantes do primeiro escalão do governo. A
ministra comparou regimes de exceção com plantas que nascem em momentos
indesejados e trazem impactos negativos para um determinado ecossistema.
"A erva daninha da ditadura, quando não é cuidada
e retirada, toma conta do ambiente. Ela surge do nada. Para a gente fazer
florescer uma democracia na vida da gente, no espaço da gente, é preciso
construir e trabalhar todo o dia por ela", defendeu.
"Por isso, digo que democracia é uma experiência
de vida que se escolhe, que se constrói, que se elabora. E a vida com a
democracia se faz todo dia. A gente luta por ela, a gente faz com que ela
prevaleça", complementou.
Carmém Lúcia relembrou os documentos golpistas que
falavam em planos para assassinar líderes do Executivo e do Judiciário.
"Primeira vítima de qualquer ditadura é a
Constituição. Outro dia alguém me perguntava por que julgar uma tentativa de
golpe, se foi apenas tentativa. Meu filho, se tivessem dado golpe, eu estava na
prisão, não poderia nem estar aqui julgando", ressaltou.
"Nesses julgamentos que estamos fazendo no curso
deste ano, estava documentado em palavras a tentativa de 'neutralizar' alguns
ministros do Supremo. E como eu falei em um dos votos, neutralizar não era
harmonizar o rosto, para impedir que apareçam as rugas. Neutralizar é nem poder
ter rugas, porque mata a pessoa antes, ainda jovem".
A ministra participou da conferência Literatura e
Democracia, evento que faz parte da 1ª Festa Literária da Fundação Casa de Rui
Barbosa (FliRui), no Rio de Janeiro. A programação termina neste domingo, com a
participação de nomes indígenas de destaque da literatura nacional, como Daniel
Munduruku e Márcia Kambeba.
Carmém Lúcia ressaltou durante o evento a importância
de aproximar debates sobre democracia de espaços culturais mais amplos e
acolhedores, como a Fundação Casa de Rui Barbosa. Segundo a ministra, ambientes
literários oferecem caminhos mais plurais para envolver o público em discussões
que muitas vezes ficam restritas ao universo jurídico.
“Este não é um espaço próprio exclusivamente de
debates da esfera política formal, oficial do Estado. Aqui é um espaço que
permite que a sociedade se reúna, debata, reflita. E daqui podem sair propostas
para que a gente pense que a democracia é um modelo de vida para todos nós",
disse.
A ministra destacou que a Casa de Rui Barbosa carrega
em sua história um compromisso com a luta democrática, refletido na trajetória
de Rui Barbosa, jurista e político que enfrentou perseguições e chegou a ser
exilado por defender direitos fundamentais.
“Nada mais coerente com as finalidades de uma casa
como essa do que manter esse compromisso social, institucional, com a
democracia brasileira. Abrir uma casa como essa para o público é dar
cumprimento com generosidade, com largueza e com o comprometimento que faz com
que todos nós só tenhamos a agradecer este gesto”, disse Carmém Lúcia.
Golpe de Estado
O ex-presidente Jair Bolsonaro e mais seis aliados
começaram a cumprir pena na terça-feira (25) após o Supremo Tribunal Federal
(STF) determinar o fim do processo para os réus do Núcleo 1 da trama que
pretendia impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2023.
A condenação ocorreu no dia 11 de setembro. Por 4
votos a 1, a Primeira Turma do STF condenou os sete réus pelos crimes de:
. Organização criminosa armada,
Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito,
. Golpe de Estado,
. Dano qualificado pela violência e grave ameaça e
. Deterioração de patrimônio tombado.
A Primeira Turma do STF também decidiu condenar os réus
à pena de inelegibilidade pelo prazo de oito anos.